domingo, julho 20, 2008

OS GAJOS SEM A 4ª CLASSE PODEM FAZER COISAS PORREIRAS....



Meu caro José Sócrates

Ontem mesmo li na primeira página do "Diário de Notícias" que um terço dos investidores na Bolsa só tem a 4ª classe. Fiquei indignado. Indignado porque aquela palavra - "só" - é claramente abusiva e dá a entender que neste país onde eu sobrevivo e tu governas, há gente com poucas habilitações para jogar na Bolsa.
Ora, já não há! Havia, mas veio o programa "Novas Oportunidades" que, a juntar a certas e determinadas Universidades cujo nome não vou aqui citar por falta de tempo, terminou com o analfabetismo real e funcional e tornou-nos a todos um país de doutores e engenheiros... ou quase.
E repara que essas cassandras que põem o "só" no artigo se esquecem das inumeras coisas que gente sem a 4ª classe fez pelo país. Exemplos são a pontapé:
- D. Afonso Henriques não tinha a 4ª classe e fundou Portugal, além de ter conquistado Lisboa aos mouros;
- D. Diniz, também nao tinha a tinha e fez o Pinhal de Leiria e a Universidade de Coimbra, a qual nem sequer dava cursos à noite, na altura;
- D. João I nunca frequentou qualquer escola primária e, conjuntamente com o Nun'Álvares Pereira, deu uma trepa nos castelhanos que ainda hoje lhes dói;
- D. Henrique fundou a Escola de Sagres sem ter escola nenhuma onde tivesse obtido o diploma da 4ª classe. Além disso, não consta que houvesse exames ou avaliações de professores nessa escola e nunca ninguém se escandalizou;
- O D. João II também não tinha a 4ª classe, nem o D. Manuel, mas talvez o mais chocante seja o facto de Luiz de Camões ter escrito "Os Lusíadas" sem quaisquer habilitações específicas e sem conhecer o deputado Manuel Alegre. Posteriormente leu o livro ao D. Sebastião que, analfabeto, não o podia ler;
- Os três Filipes nem falar português sabiam;
- O D. João IV nunca conseguiu conjugar o verbo restaurar e nunca percebeu se ele era transitivo ou intransitivo;
- O D. João VI foi para o Brasil e por causa dele ainda hoje lá se fala português com um sotaque estranho.
Podemos, pois, concluir que a relação entre a 4ª classe e a capacidade de realizar coisas porreiras não é absoluta. Veja-se que o D. Miguel devia ter a 4ª classe e era um filho da mãe e o mesmo se pode dizer do Napoleão. Mais recentemente, todos os grandes ditadores tinham a 4ª classe (embora seja verdade que aqueles que não eram ditadores também a tinham).
Por isso, caro José Sócrates, numa visão mais ou menos holística da coisa, um povo que sem a 4ª classe realizou tanta coisa pode fazer, pelo menos, o dobro depois de ter sido abençoado com as "Novas Oportunidades". Podemos fazer novas coisas porreiras, pá, como o Tratado de Lisboa, caso os irlandeses não consigam dar cabo da coisa.
Mas ainda há muito a fazer! Havendo gente com confiança e a coragem suficientes para, com apenas a 4ª classe, pensar que pode ganhar na Bolsa, há seguramente muita gente por aí a pensar que podes ganhar com maioria absoluta. Independentemente das habilitaçoes que eles e tu possam ter.
Aceita um abraço deste teu

Comendador Marques Correia

in Expresso de 19.07.2008
(Cartas Abertas)

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