segunda-feira, julho 09, 2007

A EFICIÊNCIA DA AMBIGUIDADE...

Repetir conceitos e criar dúvidas no texto são defeitos que podem virar recursos expressivos
Geraldo Galvão Ferraz

Instalação chinesa brinca com a ambigüidade em frases como "eles viram os animais quando estavam presos". Afinal, quem estava preso? "Eles"? Os animais?

Entre os piores defeitos de um texto, daqueles que irritam o leitor, estão a ambigüidade e a repetição. Claro, tanto uma quanto a outra podem ser recursos expressivos e, como tal, são usados pelos escritores e redatores de todos os calibres, mas com uma intenção bem definida, geralmente empregada em textos de humor.

Os gramáticos costumam dividir as ambigüidades em polissêmicas ou estruturais. Apesar do nome comprido, a polissêmica é simplesmente o que acontece quando a palavra usada tem mais de um significado. Por exemplo, na frase "Vi o gato lendo na biblioteca", é óbvio que não se trata de um felino. Logo, não há ambigüidade. Mas na frase "O gato desceu a escada", pode ser o bicho ou um rapaz bonitão.

Há muitas palavras com mais de um significado, logo, é preciso tomar cuidado para explicitar o contexto da enunciação para que não se confunda, por acaso, a bolacha-biscoito com a bolacha-tapa. Ou balas-doces com balas-projéteis...

Na ambigüidade estrutural, há muitas formas e, qualquer distração, lá está ela.

Quando, por exemplo, usa-se mal uma coordenação.
"Roberto e Cláudia vão se divorciar". Um vai se divorciar do outro ou ambos vão se divorciar dos respectivos cônjuges?

Quando o agente e o paciente ficam difíceis de se distinguir numa oração.
"A desorganização do time levou à derrota".
O que levou à derrota? O fato de o time não se organizar eficientemente ou o fato de ter sido desorganizado naquele jogo isolado?

Em "eles viram os animais quando estavam presos", quem estava preso? "Eles"? Os animais? A confusão se sedimenta ante a falta de clareza.

Um e outro

A ambigüidade ocorre também com o uso inadequado de uma das formas nominais do verbo, o gerúndio, que pode propiciar dupla interpretação:
"A cozinheira encontrou a ajudante entrando na cozinha." Quem entrava na cozinha, a cozinheira ou a ajudante?

Da mesma forma, um possessivo mal colocado pode atrapalhar a leitura clara:
"Frederico encontrou Godofredo na rua e lhe disse que seu primo estava em casa." O primo de qual dos dois está em casa?

Da mesma forma que a ambigüidade, a repetição pode ser um recurso expressivo, se usada intencionalmente, para reiterar algo ou dar maior intensidade a alguma coisa. Mas, quando não acontece isso, a repetição pode, sobretudo, tornar o texto chato, dando ao leitor a impressão de que está lendo sempre a mesma coisa.

Mais de um

Para evitar repetições indesejadas, pode-se substituir uma palavra por outra ou por uma expressão que seja equivalente textual. Por exemplo:
"O ator estava bem no papel, mas não é um artista muito versátil."
ou
"Amor com amor se paga. Quem diz isso tem toda razão."

Além da substituição, para se evitar a repetição, há o recurso da alteração. Ou seja, quando determinada palavra seria repetida, usa-se uma mudança na forma. "Essa ginástica é difícil" e "A dificuldade dessa ginástica."

Um terceiro método de evitar a repetição é a omissão.
"O pintor queria retratar a princesa, mas precisou se submeter ao protocolo."

Porém, é preciso tomar cuidado com essa história de repetição. Às vezes, repetir dá coesão e cai como uma luva no texto. Veja só o que Millôr Fernandes consegue com repetições:

A senhora, uma dona de casa, estava na feira, no caminhão que vende galinhas. O vendedor ofereceu a ela uma galinha. Ela olhou para a galinha, passou a mão embaixo das asas da galinha, apalpou o peito da galinha, alisou as coxas da galinha, depois tornou a colocar a galinha na banca e disse ao vendedor: "Não presta!".
Aí o vendedor olhou para ela e disse: "Também, madame, num exame assim nem a senhora passava."
A repetição, no caso, foi o fermento do bolo, a dar clima e ênfase à ação.

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