segunda-feira, outubro 20, 2008

Destino... ou livre arbitrio??

Aquilo que está determinado é senhor dos deuses e de vós.
Eurípides

Era uma vez, conta a história, um rapaz que vivia em Isfahan como criado de um rico mercador. Uma bela manhã, despreocupado e com a bolsa cheia de moedas retiradas dos cofres do mercador para comprar carne, frutas e vinho, ele cavalgou até o mercado; aí chegando, deparou-se com a Morte, que lhe fez um sinal como que para dizer alguma coisa. Aterrorizado, o rapaz fez o cavalo dar meia-volta e fugiu a galope, pegando a estrada que levava a Samara. Ao anoitecer, sujo e exausto, chegou a uma estalagem dessa cidade e, com o dinheiro do mercador, alugou um quarto. Nele entrando, prostrou-se na cama, entre fatigado e aliviado, pois lhe parecia ter conseguido lograr a Morte. No meio da noite, porém, ouviu baterem à porta, e no umbral ele viu a Morte parada, de pé, sorrindo amavelmente. "Por que você está aqui?", perguntou o moço, pálido e trêmulo. "Eu só a vi esta manhã na feira, em Isfahan" E a Morte respondeu: "Ora, eu vim buscá-lo, conforme está escrito. Pois quando o encontrei esta manhã na feira, em Isfahan, tentei lhe dizer que nós tínhamos um encontro esta noite em Samara. Mas você não me deixou falar e simplesmente fugiu em disparada."
Essa história popular é curta e graciosa e dela poder-se-ia inferir muitos temas. Mas, nas entrelinhas falsamente simples, sem dúvida está incluído um comentário sobre o destino: o fato de ser este irrevogável e de, no entanto, por um paradoxo, depender da vontade humana para a sua realização. Esse tipo de narrativa, por ser paradoxal, dá margem a toda espécie de especulação filosófica e metafísica, do género que não desperta a atenção de pessoas sensatas. Por exemplo: Se o criado tivesse ficado e falado com a Morte, ainda assim estaria fadado a morrer em Samara? O que aconteceria se tivesse tomado outra estrada? Ele poderia ter tomado uma outra estrada? Em caso negativo, então, que poder, interior ou exterior, o conduziu até o lugar aprazado? O que sucederia se, assim como o cavaleiro no filme O sétimo selo, de Bergmann, ele tivesse desafiado a Morte? Ou, em resumo — esse estranho enigma que o Oriente sempre tratou com tanta sutileza e que, no entanto, o Ocidente persiste em reduzir a uma escolha exclusiva, simples e direta: somos predestinados ou livres?

in "A Astrologia do Destino" de Liz Greene (introdução), Cultrix/Pensamento

René Magritte, O Espelho Falso

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