quarta-feira, novembro 29, 2006

JUNG E A NOVA ERA: um estudo sobre contrastes
por David Tacey
Título do original: "Jung and the New Age: A Study in Contrasts" by David Tacey, Ph.D., originally published on the Internet in English at The Round Table Review
O nome de Jung tem sido associado com a Nova Era por cerca de três décadas, mas agora sua alegada "influência" sobre este movimento está sendo formalmente proposta e articulada. Em New Age Spirituality, Duncan Ferguson argumenta que Jung tem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento desta espiritualidade popular(1), e mais recentemente no New Age Movement o sociólogo Paul Heelas assevera que Jung é uma das "três figuras-chave" (as outras sendo Blavatsky e Gurdjieff) responsáveis pela existência do movimento(2). Em similar disposição, Nevill Drury mantém que "o impacto de Jung sobre o pensamento da Nova Era tem sido enorme, maior, talvez, do que a maioria das pessoas percebe"(3). Em todo lugar a asserção está sendo feita de que o movimento Nova Era é um produto de influência junguiana, e hoje terapeutas de uma diversa faixa de campos, todos, proclamam ser junguianos, ou referem-se a Jung como seu ancestral espiritual, autoridade científica, inspiração ou fonte. Serão válidas tais asserções?
Quão junguiana é a Nova Era? Havendo explorado assimilaridades e diferenças entre a espiritualidade da Nova Era e a metapsicologia junguiana, concluo que a Nova Era é não-junguiana ou anti-junguiana em vários importantes aspectos, que serão considerados aqui.Jung tem claramente vários pontos em comum com a Nova Era. Ambos, Jung e a Nova Era, concordam que significado espiritual não é sinônimo de, e não pode ser contido pelos estabelecimentos e instituições religiosos da cultura ocidental. Jung e a Nova Era estão interessados em explorar fontes não-cristãs, pré ou pós-cristãs, de significado espiritual; ambos estão interessados em gnose, alquimia e tradições contemplativas orientais. Jung e a Nova Era olham além, para o futuro, com um grau de otimismo, vendo um"espírito" que trabalha através da história anunciando um objetivo ou ideal futuro que ainda tem de ser compreendido. Ambos olham adiante para uma visão futura que, talvez paradoxalmente, nos ensine como viver no presente. O presente vive em antecipação de um futuro "melhor", e para Jung o ideal pode ser sumarizado na palavra "totalidade", um ideal que ele freqüentemente contrasta com a ética cristã de"perfeição". A Nova Era, também, gosta de privilegiar "totalidade" sobre "perfeição", assim como enfatiza o Deus imanente sobre o Deus transcendente.Às vezes parece que a espiritualidade da Nova Era é simplesmente a psicologia junguiana numa ordem ampliada, levando o modelo de Jung para o mundo exterior e distribuindo sua sabedoria para as multidões necessitadas de direção espiritual. Mas é claro que aquilo que a Nova Era parece estar fazendo e o que ela efetivamente faz são coisas bastante diferentes. A Nova Era não é uma filosofia religiosa coerente e com freqüência parece estar dirigida mais por interesses comerciais e forças de mercado do que por qualquer posição filosófica particular. É amplamente junguiana em sua ênfase sobre a autoridade espiritual da experiência individual (que Jung emprestou do protestantismo), sobre a necessidade de transformação religiosa e cultural (que Jung derivou do romantismo alemão), e sobre a importância de métodos não-ortodoxos de atingir unidade com o Criador(que Jung emprestou da Gnose, Hermetismo, e Alquimia).O valor da Nova Era está em como ela desafia aortodoxia religiosa ocidental para chegar em novas e culturalmente relevantes interpretações do espírito humano. A Nova Era é um "explode coração"(4) das massas, um clamor para tornar a espiritualidade relevante a nossos tempos e emocionalmente relacionada à experiência humana individual. É um movimento popular que reverte muitas das atitudes, tendências, e visões que são encontradas na religião ocidental tradicional, especialmente visões sobre o corpo, sexualidade, natureza e desejo. É um movimento que segue e estende um processo arquetípico que está baseado no "princípio feminino", é compensatório ao ocidente patriarcal, e tem ligações com o Romantismo, a Gnose, o Paganismo, o Naturalismo, o Nudismo, e o Ocultismo.Se a Nova Era parece junguiana não é porque tem usado Jung, mas porque obtém sua vida a partir de uma forte corrente arquetípica que podemos associar com Jung porque ele claramente mapeou este território psicoespiritual. Jung esteve especialmente interessado nos processos arquetípicos que são "compensatórios" para o ocidente patriarcal, portanto isto o traz ainda mais próximo dos interesses da Nova Era. Entretanto, Jung não celebrou ingenuamente ou idealizou estas correntes compensatórias na psique ocidental. Ele identificou estas correntes e as nomeou, mas sua resposta a elas era sempre crítica, destacada, e ambivalente. Jung continuamente buscou integrar opostos conflitantes e elementos contraditórios (comoPaganismo e Cristandade) em um conjunto maior, e quase nunca deu preferência a um conjunto de asserções arquetípicas às expensas de outro. Embora Jung profeticamente visse que os conteúdos "femininos" e"pagãos" estivessem em ascensão na psique ocidental, nunca pregou que nos abandonássemos a estes conteúdos; pelo contrário, ele sentiu que a tarefa da individuação envolvia resistir a estas forças coletivas e desenvolver uma resposta crítica a elas.Qualquer movimento coletivo que se identifica com um processo arquetípico não vai, virtualmente por definição, entrar em acordo com o gosto junguiano, que está baseado na ética e estética da individuação. O ataque de Jung sobre o que ele chamava "identificação com a psique coletiva" é conveniente e deliberadamente ignorado por todos estes terapeutas, consultores, defensores e xamãs da Nova Era, que gostam de celebrar livremente e mesmo "adorar" os conteúdos arquetípicos novamente constelados. Os desejos pagãos, os impulsos gnósticos, e as lutas espirituais não-ortodoxas que foram reprimidas por centenas de anos no Ocidente têm sido liberados após o colapso da autoridade do Cristianismo, e agora encontramos, sem qualquer inibição, estes conteúdos alardeados diante de nós.Embora a Nova Era tente corrigir atitudes prevalescentes da secular e religiosa cultura ocidental, uma análise crítica mostra as limitações da atitude da Nova Era e sua divergência a partir de uma posição junguiana, particularmente em três áreas.(1)
De Deus a Gaia: reencantamento espiritual nacultura ocidentalA atitude prevalescente na secular cultura ocidental éde que os antigos deuses estão há muito mortos, e, mais recentemente, nosso Deus-Pai judeu-cristão também morreu. Não há vida metafísica ou espiritual, e o mundo foi esvaziado de significado religioso. A fé no espiritual foi erradicada pela educação secular, e a religião hoje é meramente a província dos não-educados, os pobres ou os supersticiosos. A busca moderna e progressiva é por liberação social e pessoal, e entre as primeiras coisas a serem descartadas enquanto marchamos em sentido à liberdade está a subjugação à autoridade religiosa e obediência ao sagrado.A atitude prevalescente na cultura religiosa ocidental é de que a religião patriarcal tradicional está perdendo autoridade enquanto o mundo se torna mais pagão, e à medida em que a sociedade se torna mais permissiva em sua atitude a respeito de desejo, sexualidade, e satisfações temporais. Enquanto o superego ocidental enfraquece, permitindo aos impulsos mais "naturais" governarem a vida social, a Igreja com freqüência considera que tem de fortalecer sua resolução e escorar as reivindicações da vida transcendental. Portanto as igrejas freqüentemente parecem sitiadas e reacionárias, trancadas em uma situação defensiva e refreando as marés da mudança.Tentando corrigir estas abordagens, a atitude da NovaEra é de mover-se com o fluir dos tempos, admitir o reino do desejo e da ânsia, encorajar o movimento pagão da sociedade, mas adicionar a este movimento uma dimensão sagrada ou espiritual. A Nova Era basicamente confere "bênção espiritual" a tendências e atitudes que já são existentes na cultura ocidental: consumismo, hedonismo, materialismo e narcisismo. A Nova Era não oferece uma crítica da sociedade, mas simplesmente mitologiza e mistifica as coisas que já nos preocupam. Assim, em uma sociedade ocidental encharcada de sexo e obsecada com o corpo, a Nova Era propõe "sexo sagrado" e argumenta que o corpo é "o templo da alma". Em uma sociedade governada por desejos materiais e gratificação instantânea, a Nova Era propõe uma crença vitalística em "energia verde", vê riqueza como um símbolo de "opulência espiritual"(numa reversão da moralidade judeu-cristã), e considera "relaxamento profundo" como uma busca sagrada (revertendo a santificação cristã de trabalho e fadiga). A Nova Era, como a secular tendência dominante, aponta seu nariz para a autoridade daIgreja, vê o puritanismo como sombrio e embotado, e não está muito interessada em ressuscitar nosso recentemente falecido Deus-Pai.A Nova Era está especialmente interessada em deidades pagãs de tempos antigos, os espíritos de culturas xamanísticas, e as figuras divinas de religiões orientais. Embora diversa e politeísta em seus gostos, a deidade dominante da Nova Era é provavelmente aDeusa-Terra ou Deusa-Mãe, seja espelhada como Gaia,Deméter, Cibele, Afrodite, Astarte, ou numerosas outras figuras similares em vários contextos históricos e culturais. A Nova Era é profundamente não-histórica, universalista e essencialista em seu foco filosófico. Seu mote parece ser "qualquer deus(a)vai servir", na medida em que não seja o Deus com o qual temos sofrido pelos últimos dois mil anos de religião oficial. Em mitologias antigas, a Deusa-Terra nunca aparece por si mesma, mas está sempre representada com seu consorte, filho-amante, ou sacerdote, e o mesmo é verdadeiro para sua mais recente aparição na Nova Era. O consorte da Deusa usualmente simboliza sua própria fecundidade e fertilidade, e assim suas capacidades fálicas são geralmente enfatizadas, em figuras tais como Pan, Dioniso, Adônis, Tamuz, e especialmente Príapo. Na Nova Era, o filho-amante ou sacerdote da Deusa-Mãe é com freqüência celebrado em uma figura composta que é algumas vezes chamada de "Homem Verde". O Homem Verde simboliza a fecundidade da terra, o ciclo sazonal de crescimento-morte-renascimento, e a "unidade" de todas as coisas naturais e orgânicas. Se Cristo é mencionado na Nova Era, ele está usualmente implicado somente em sua forma como o Filho da Grande Mãe, como o deus-ano morrendo e ressurgindo, que é ritualmente pranteado por sua Mãe e pelas Mulheres Sagradas ao pé da cruz. ANova Era, por assim dizer, pode adaptar o retrato católico-romano de Cristo a seus próprios propósitos, mas não tem tempo algum para o Cristo protestante e patriarcal.A Nova Era enfatiza a missão urgente e redentora de sua visão religiosa. Almeja trazer novo mistério e encantamento para um mundo que tem se tornado cansado, deprimido e desencantado. Procura reacender a vida do espírito em um mundo que se tornou demasiado racional,cínico, desiludido. Procura redespertar a consciênciado corpo em uma cultura que se tornou muito presa à cabeça. Acima de tudo, a Nova Era tem um imperativo ecológico e salvador-do-mundo: recuperar respeito pela terra, pela matéria (derivada do Latim "mater", significando "mãe"), pela fisicalidade, e pelo ambiente biológico em um tempo no qual o progresso patriarcal tem perpetrado enorme dano (parte dele irreversível) sobre a teia biofísica da vida. A "jogada" é que somente a Deusa-Mãe e seu Homem Verde podem nos salvar do apuro do ocidente patriarcal. Este novo mito é encontrado não apenas em ecofilosofia e ecoespiritualidade, em ecologia profunda e em teologiaecológica, mas também em filmes populares, tais como"Fern Gully", em cartuns e espetáculos de guerreiros ecológicos como "Capitão Planeta", panfletos ecológicos, literaturas ativistas e ficções populares. Mitologias e valores ecológicos da Nova Era são também encontrados no sistema público de educação, programas de estudos ambientais, políticas verdes, na mídia e no entretenimento. Estamos testemunhando a ascensão de um poderoso e arcaico mitologema, um testemunho ao fato de que "mitos" nunca morrem, e que em culturas seculares e "desmistificadas" como a nossa os mitos não somente sobrevivem mas desenvolvem-se - eles são ainda mais poderosos por não serem considerados como"míticos".Como Jung responderia a este aspecto da Nova Era? Jung morreu em 1961, alguns anos antes que a Noiva Era ganhasse impulso internacional, e antes que o movimento ecológico fosse estabelecido (nos dias de Jung referiam-se a este como "conservação", e era usualmente da competência dos politicamente conservativos). Entretanto, ele tinha previsto a ascensão do paganismo na psique ocidental(5), e já tinha, de fato, identificado este paganismo ressurgente como a fonte arquetípica para o fascismo e nacional-socialismo do século vinte(6).Em assuntos religiosos, Jung era tanto Cristão quando Nova Era. Jung podia ver que os antigos deuses e deusas pré-cristãos ainda estavam vivos, e freqüentemente os descobria na psique como o núcleo central de complexos e psiconeuroses. Jung estava interessado no pré-cristão, no não-cristão, no pós-cristão, mas diferentemente da Nova Era ele não era anti-cristão. Ele não sofria de preconceito anti-cristão, nem se sentia obrigado, como James Hillman depois dele, a cantar os louvores da Grécia Antiga e enquanto isso denunciar a herança judaico-cristã. Jung estava empenhado na tarefa de restaurar o Deus Cristão à dignidade cultural e à compreensão humana. Jung podia ver que a unilateralidade da cultura e religião patriarcais necessariamente constelaria o despertar de figuras arquetípicas femininas e matriarcais, mas sua resposta a estas figuras era ambivalente. Por um lado, precisamos encorajar o feminino arquetípico a apresentar-se após séculos de repressão e esquecimento. Por outro lado, mal podemos permitir ao feminino tomar "posse" da consciência; deve ser integrado e não permitido a dominar em uma nova, igualmente extrema e portanto igualmente indesejável unilateralidade.Jung teve um complexo materno positivo, e isto inclinou-o a muitas das artes e ciências matriarcais que têm sido "banidas" pelo patriarcado, as quais já estavam se tornando disponíveis ao público nos próprios dias de Jung. O interesse de Jung em astrologia e adivinhação é bem conhecido, e virtualmente sozinho ele recuperou a antiga arte da alquimia para moderna investigação científica epsicológica. Jung também estava ecológica e romanticamente atado às paisagens, terra, árvores, muito antes destas atitudes se tornarem celebradas e entrincheiradas na ecologia popular. Talvez mais do que o próprio Jung, seu seguidor maior Erich Neumann estava embebido na consciência de que o feminino arquetípico estava a ponto de deslocar e desafiar as fundações arquetípicas do patriarcado, como podemos ver especialmente em seu The Great Mother e The Archetypal World of Henry Moore. Mais recentemente, o analista junguiano Edward Whitmont dedicou um volume inteiro, Return of the Goddess, ao fenômeno do despertar do feminino arquetípico e seu fálico filho-amante no contexto da modernidade e da pós-modernidade.Jung concordaria com a Nova Era que se uma grande mudança na atitude cultural deve ser efetuada, incluindo uma dramática mudança de coração a respeito do relacionamento da humanidade com o ambiente e o mundo físico, então o suporte arquetípico deve ser evocado para habilitar a humanidade a "sentir diferentemente" acerca do mundo. Mudanças sociais que operam puramente a partir do nível racional, como uma chamada a despertar a consciência moral a respeito do mundo, ou uma chamada a intensificar a responsabilidade ética sobre o ambiente, não serão efetivas, porque as mais profundas emoções do homem não foram ativadas ou excitadas. Jung não era um positivista social, não acreditava na fantasia de que a sociedade está inevitavelmente se tornando "melhor", mas estava convencido do poder do mito e sua habilidade para mobilizar ações humanas e galvanizar resposta coletiva. Se uma transformação espiritual pode ser perseguida, e pode ser desenvolvida uma nova perspectiva que vem de reviver a visão antiga de que aTerra é nossa "mãe ancestral" ou fonte espiritual, tanto melhor para o futuro da Terra. Estou certo de que Jung sentiria que a remitologização teria de acompanhar a revolução social, e que o retorno de Gaia, Deméter ou Afrodite a um estado mítico vivente é um pequeno preço a pagar pela sobrevivência do próprio mundo, sua biodiversidade e seus habitantes.Como mencionado, Jung seria crítico se ele sentisse que um novo culto de Gaia, ou da assim chamada Hipótese Gaia, viria às expensas do Deus-Pai, o princípio masculino, e o animus. Qual seria o ponto, ele perguntaria, de dois mil anos ou mais de diferenciação do masculino arquetípico, se estamos preparados para atirar fora tudo isso em uma respostade pânico ao apuro do mundo? Por que temos de avançar rumo a uma enantiodromia (uma corrida de um extremo oposto a outro) cultural, quando temos a oportunidade de considerar ambos os lados do espectro arquetípico?Por que decidir por uma nova unilateralidade quando nosso mais profundo imperativo, tanto para nós quanto para nossa cultura, é por um esforço voltado à totalidade e unidade? Por todos os meios tragam Gaia e tragam de volta Deméter, mas deixemo-nos engajar estas personalidades arcaicas em um diálogo pleno de sentido com a espiritualidade Cristã e a religião ocidental.Enquanto estamos nisso, deixemo-nos também trabalhar para uma recuperação da dimensão feminina perdida dentro do Deus Judeu-Cristão da mesma maneira (comoSofia, Lilith, Maria, Sabedoria, e Espírito Santo). Mas ao lançar fora nossa água-de-banho cultural, Jung avisaria que lançar fora também o Menino Jesus acarretaria uma explosão completa de repressão do espírito masculino, e a perigosas repercussões e conseqüências do esquecido ou banido reino domasculino.(2)
De Sofrimento a Beatitude: o novo vício em experiências de picoA atitude prevalescente nas tradições religiosas efilosóficas ocidentais é a de que a humanidade é essencialmente trágica e vida é sinônimo de sofrimento. Há um penetrante pessimismo sobre o valor e o potencial humano, que tem se erguido a partir da doutrina do pecado original, a noção de degradação humana e inata tendência para o egotismo servente asi. A espiritualidade cristã atinge seu objetivo não pelo incremento à estatura do self, mas pelo deslocamento do self inteiro em favor da humildade, do esvaziamento, e de um tipo de preenchimento negativo, através do qual o divino aumenta sua completude em proporção direta à redução do ego. No humanismo ocidental, também, o self é sentido como sendo inerentemente limitado e falho, e qualquer tentativa de sobrepujar a limitação humana inevitavelmente vai dar de encontro com inflação moral e arrogância satânica. Sabedoria e direção espiritual não reduzem nosso sofrimento, mas fazem-no suportável e dão a ele significado mais elevado. O símbolo para o quinhão da humanidade na tradição religiosa ocidental é Cristo na cruz.A atitude da Nova Era é de que a cultura ocidental é muito mórbida e depressiva, e precisamos mudar o roteiro que temos a respeito de nós mesmos. A Nova Era substitui o senso ocidental de tragédia com um intenso otimismo acerca da transformação individual e social."Uma 'nova' era é possível; o potencial humano é sem limites; sua dinâmica está disponível e acenando.Ênfases no pecado e no mal, na redenção e na conversão devem ceder a um mundo de 'bênçãos originais' em uma boa criação"(7). O homem não mais precisa crucificar-se na imagem do Cristo; ele pode descer da cruz, e celebrar sua existência corpórea, carnal, e sua capacidade para entrar em diálogo transformativo com o divino.O homem da Nova Era procura por experiências de pico, altas, estados alterados de consciência, e evita as baixas, depressões e árido pessimismo. Ele procura por espiritualidade, por o que se lê "dispositivos e técnicas que me conectarão com o divino", e com freqüência evita ou rejeita as religiões estabelecidas, pelo que se lê "estas estruturas dogmáticas que limitam minha liberdade individual, inibem a expressão espiritual e diminuem as expectativas pessoais de glória". A espiritualidade promete altos, mas a religião ameaça com sua ênfase sobre restrições morais, consciência social e obrigações éticas. O homem da Nova Era quer a Meta (unidade com o divino) sem o Caminho (a disciplina, ética, e auto-cancelamento que tornam tal unidade possível). Ele quer jubilosa união sem o sofrimento da cruz, renascimento espiritual sem ter primeiro que suportar a morte espiritual. Ele está "enganchado" no sagrado, viciado em técnicas e práticas espirituais, e seu credo é: "Siga sua beatitude"(8) (JosephCampbell).Uma resposta junguiana seria a de duvidar da autenticidade desta assim chamada "espiritualidade" se ela está projetada meramente para prover gratificação instantânea para o ego. Jung ficaria suspeitoso de uma separação demarcada entre "espiritualidade" e "religião" se estiver designada simplesmente a separar"altos" de "baixos", ou luz de sombra. Jung veria qualquer otimismo sem fronteiras como uma defesa contra a escuridão, e apoiaria o ocidente cristão em sua ênfase sobre o sofrimento inevitável. De acordo com Jung, nunca se pode escapar do sofrimento, mas deve-se abraçá-lo e aceitá-lo como parte da condição humana.Uma grande diferença entre Jung e a Nova Era diz respeito a sua descoberta ou "localização" do sagrado.A despeito da retórica da Nova Era sobre a "imanência"do divino e da "mundialidade" de sua visão espiritual, a Nova Era parece estar presa em uma interpretação tipicamente ocidental e transcendentalista do espírito. A Nova Era tende a encontrar suas experiências espirituais "afastada" da vida e "além" do solo da experiência ordinária. É atraída para o bizarro e exótico, para o extramundano e xamanístico.Uma experiência espiritual é um vôo para longe do real, daí a importância da palavra "alto" para descrever esta espiritualidade popular. A Nova Era não é redentora ou transformadora, e neste sentido a Cristandade é uma filosofia muito mais radical na medida em que procura engajar e redimir os elementos desta realidade. Poderia ser que a Nova Era tenha herdado a altermundialidade da Gnose histórica, com sua impaciência com o real e seu foco metafísico sobre um cosmo distante?Por contraste, Jung descobre espiritualidade em e através de nossas patologias humanas, não por meio da transcendência delas. Jung sustenta que para a humanidade moderna "os deuses viraram doenças", e encontramos nossa sacralidade rejeitada e reprimida no centro das doenças, no núcleo das psiconeuroses, e no meio da angústia mental. Qualquer movimento coletivo que ache a psicopatologia mórbida, escura, ou indigna de interesse, está efetivamente perdendo a oportunidade espiritual do tempo e não merece o nome de "espiritualidade". A Nova Era, {vista} a partir desta posição junguiana, trabalha incansavelmente para evitar qualquer verdadeiro encontro com o verdadeiro sagrado, preferindo em vez disso seguir algum ideal de ego abstrato e inteiramente convencional a respeito de como é o sagrado.Jung reconheceria na Nova Era uma confusão fundamental entre o ego (self pessoal) e a alma (ou o Self no sentido junguiano mais amplo). Na verdadeira prática religiosa, é a alma que encontra remissão e libertação, pois esta é a parte imortal da pessoa(9).Paradoxalmente, a salvação da alma é ao mesmo tempo uma mortificação do ego, daí a formulação: "quem quer que perca sua vida por minha causa a encontrará"(Mateus 16:25)(10). No passado, a necessária mortificação do ego foi confundida com a mortificação do corpo, da sexualidade e do feminino, e isto surgiu amplamente a partir da cisão, na psique ocidental, entre o espírito e a matéria. Mas hoje, com nosso conhecimento psicológico maior, ficamos mais próximos do mistério cristão percebendo que é o si-mesmo pessoal, o ego, que precisa ser deslocado de modo que a salvação possa tomar lugar. Na Nova Era, não há verdadeira separação entre o si-mesmo pessoal e a alma transpessoal; assim, o primeiro estágio na verdadeira consciência religiosa não é adquirido; ou, em vez disso, um processo religioso é conduzido e em cada ponto desta jornada a vida espiritual é contaminada com os desejos e ânsias do ego. Neste caminho a jornada espiritual é corrompida, e degenera em uma viagem de ego. À medida em que a alma é libertada de seus grilhões e é elevada a uma realidade maior, o ego quer viajar junto com ela, e o êxtase da libertação do espírito é um êxtase que o ego quer para si.De maneira similar, o faminto ego da Nova Era espia a grandeza e poder de Deus, e se identifica com aquele poder, vendo Deus como algum "recurso sobrenatural não-represado" que pode ser utilizado para a "expansão de potencial humano". Esta é uma fantasia prometéica selvagem e sem limites, e a Nova Era efetivamente acredita no mais fundo de seu coração que o homem pode se tornar Deus. Como Shirley MacLaine, um de seus expoentes populares, proclama: "Eu sou Deus, eu sou Deus, eu sou Deus"(11). Com suas raízes primordiais no movimento da psicologia humanística, isso casa ootimismo de Maslow e Rogers com as asserções selvagemente esotéricas de Blavatsky e Gurdjieff. Na maior parte da literatura popular, a Nova Era se gaba a respeito de quebrar fronteiras convencionais, realizando potencial oculto, e aspirando alturas divinas.Jung provavelmente classificaria isto como uma espiritualidade psicótica, uma espiritualidade em que o ego tem sido grotescamente inflado a proporções divinas. O papel secundário do ego não foi compreendido, e há uma profunda confusão psicológica e teológica sobre o significado da vida e o papel da humanidade em servir o divino. O homem da Nova Era vai dinamitando seu caminho para dentro do reino espiritual, esperando encontrar bem-aventurança, mas porque ele está tão narcisisticamente apegado ao ego suas experiências sempre dão de encontro com o desapontamento. O sacrifício do ego ao divino, que é tão básico para a experiência religiosa, não ocorre e não pode ocorrer, e assim tem lugar inconsciente e involuntariamente. Intelectualmente, o homem da NovaEra desposa uma filosofia sonhadora, paradisíaca, mas atualmente e de fato ele está cheio de queixas e amargura, porque nada parece caminhar direito, outras pessoas parecem concentradas em miná-lo ou arruiná-lo, e mesmo sua prática espiritual é criticada por ser inadequada. A "perda do ego" que deveria estar ocorrendo conscientemente cai no inconsciente e, como qualquer coisa inconsciente, está projetada para fora, sobre outros e o mundo.Entretanto, na espiritualidade da Nova Era, não apenas a perda do ego toma lugar inconscientemente, mas onecessário desenvolvimento e construção do ego ocorre tal e qual inconscientemente. Este é um lado diferente, mas relacionado, da trágica e indiferenciada fusão entre ego e alma. O ego precisa separar-se da alma de modo a descobrir sua própria identidade e vida. O ego precisa ativamente abraçar sua própria separação e mesmo arriscar "alienação" da alma para chegar a si. Como Jung deixou claro, o desenvolvimento do ego é sancionado arquetipicamente, e qualquer tentativa de abafar este desenvolvimento tem que resultar em desastre. Quando perguntado a respeito de sua prática espiritual, ou porque seu estilo de vida é tão diferente das pessoas comuns, os da Nova Era com freqüência declararão que "passaram por cima de", "pisotearam" ou "largaram" o ego ordinário. O que eles querem dizer com isto é que as coisas usuais associadas com o desenvolvimento humano foram abandonadas em favor de um estilo de vida mais pontuadamente relacionado com a realidade da alma.Entretanto, o ego não foi "largado", e por definição não pode ser largado; foi meramente (con)fundido com a vida da alma. Este é o cenário psicológico para o notório problema do egotismo desenfreado, emocionalidade, cisões e competitividade que infestamos grupos, cultos, seitas, ashrams, clubes, sociedades e comunidades da Nova Era. Embora todos estes grupos trabalhem em sentido à transcendência do ego em favor da alma, são freqüentemente destruídos por um egotismo secreto, escuro e maléfico, que corrói os altos ideais e eventualmente causa o colapso da edificação toda, muitas vezes com conseqüências devastadoras para a sociedade e para todos os envolvidos. O que começou com perfumes e cantos termina em tribunais de justiça e em inquéritos policiais: pagamos um preço enorme por reprimir nossos impulsos comuns e nossa humanidade básica.Não é possível livrar-se dos impulsos do ego, especialmente o impulso de poder e sua pressão poridentidade e estima, através de uma atitude intelectual que adota foco sobre coisas "mais altas".Embora a ênfase consciente seja sobre a "abertura"para o divino, juntar-se a uma vontade superior, emística "capacidade [de] negativa", o impulso de poder do ego se faz sentir na fixidez e dogmatismo com a qual estas metas "expansivas" são buscadas. Os devotos declaram que são "nada" perante o divino, ou sem valor diante do carismático professor, mas no pano de fundo há ferozes manobras por privilégios e lugares especiais, por poder e influência dentro do grupo. Nem pode o impulso sexual ser suprimido por uma intensa devoção (cheirando incenso) ao etéreo e interesses paradisíacos. O que é negligenciado ou rejeitado volta para nos visitar, e usualmente volta com considerável violência, de modo tal que o ashram local da Nova Era pode acabar como um covil de iniqüidade, "estourado"pela polícia e retratado na página três do jornal local. Embora adote os caminhos da beatitude e iluminação orientais, o trágico Ocidente encontra sua vingança engolfando tais ingênuos grupos no negativismo e no retorno do reprimido.Jung concordaria com a Nova Era que o Ocidente Cristão tem se tornado demasiadamente atado a um pessimismo constitucional e deprimente, um pessimismo que espanta muitos para longe da prática cristã. As possibilidades transformativas do autodesenvolvimento e da individuação dão origem a um certo grau de otimismo, e um espírito positivo que nos eleva para além do desespero e da miséria. Ele também concordaria que há uma necessidade maior por auto-conhecimento na religião ocidental, e que encontramos suficientemente demasiada "fé cega" no cristianismo, com muitas pessoas adotando crenças e doutrinas sem testar estes preceitos contra a experiência. Precisamos de exercícios espirituais, contemplações, dispositivos, sabedorias: o chamado do púlpito para "acreditar" não é mais suficiente, nem apropriado. Jung tolera muito do aparato espiritual da Nova Era; sua ênfase sobre diversidade e pluralismo, sobre sabedorias pré epós-cristãs, sobre meditação, introspecção, e experiência pessoal direta. Entretanto, a menos que a atitude correta seja adotada, o aparato e as tecnologias de auto-ajuda são mais do que inúteis: sãopositivamente perigosos. Seria melhor que o homem da Nova Era fechasse sua caixa de truques, fechando o ashram suburbano, e voltasse para a igreja ou sinagoga para aprender as lições da humildade e da modéstia.Não pode haver transformação espiritual alguma a menos que ego e alma estejam firmemente diferenciados.O ego e a alma têm ambos de ser vividos, expressos, celebrados, e desfrutados. Precisamos viver duas vidas simultaneamente, e especialmente para todos os ocidentais, como Jung alertou, a vida do ego não pode ser sub-repticiamente esquecida por debaixo de clamores e paixões de estados alterados de consciência. O ego do homem ocidental tem se diferenciado através de muitos séculos, e nenhum seminário espiritual ou curso de meditação de fim-de-semana se livrará dele com sucesso. O ego, nosso si mesmo (self) pessoal, nossa mortalidade, nossa separação de Deus, é o instrumento de nosso sofrimento, mas se este instrumento for explodido de modo a transcender o sofrimento, terminaremos em mais dor do que jamais antes. Humildemente, nosso sofrimento e incompletude têm de ser aceitos, e somente então alguma transcendência será possível.(3)
De Dualismo para Totalidade: a dissolução do si-mesmo em uma unidade primeva "Ninguém sabe melhor o verdadeiro significado de distinção do que aqueles que entraram na unidade". - Tauler A atitude prevalescente nas tradições filosóficas ereligiosas do Ocidente é a de que o mundo da experiência humana está baseada em uma série de dualidades e oposições binárias, como mente e corpo, masculino e feminino, intelecto e emoção, civilizado e primitivo. O mundo está estruturado como uma rede de forças opositoras e competidoras, e tipicamente um conjunto nesta rede de possibilidades (como masculinidade, intelecto, mente) está privilegiado sobre o conjunto oposto. O dualismo ocidental, muitas vezes designado como dualismo cartesiano, pode levar a um universo social e moral cindido, e estas cisões e desigualdades têm sido vigorosamente desafiadas e freqüentemente atacadas pelos principais discursos liberacionais da modernidade.A atitude da Nova Era é de reagir fortemente ao legado dualístico ocidental postulando uma contrastante cosmologia de totalidade. Para a Nova Era, o mundo é auto-evidentemente "um", todas as coisas são iguais, e as "dez mil coisas" de uma realidade complexa são simplesmente aspectos ou facetas diferentes da única verdadeira realidade. A Nova Era notoriamente toma emprestado o símbolo chinês do Tao ou Yin e Yang, com os lados luminoso e escuro equilibrados em completa harmonia, como seu símbolo para a "nova" cosmologia de totalidade. De acordo com a Nova Era, a mente ocidental que percebe cisões e divisões está meramente projetando sua própria divisão neurótica sobre a realidade unitária do universo.Para a Nova Era - e aqui sua atitude faz coro com certas atitudes prevalescentes em construtivismo e pós-modernidade -, cisões, dualidades, distinções, são meramente criações fictícias de uma mente imperiosa, patriarcal, julgadora. A tarefa da consciência avançada é ver através destas divisões, dissolvendo-as e retornando o mundo à sua unidade original. A meta primária da meditação e da prática espiritual da NovaEra é quebrar as barreiras que tanto preocupam(12) o intelecto racional (a mente ocupada, daninha), e passar através da unidade ou totalidade primeva."Todas as coisas em uma" é uma expressão padrão, e muitas pessoas dentro deste movimento concordam que atingir esta realização é avançar a consciência ocidental para além de sua condição presente.A atitude junguiana à primeira vista pareceria estar em pleno acordo com a Nova Era e sua retórica de totalidade, dada a bem conhecida preocupação de Jung com unidade, mandalas, e o Self como o "arquétipo da totalidade". Em seu desejo de substituir o dualismo ocidental com um novo holismo, a Nova Era está quas eaxiomaticamente assumida como seguindo uma direção"junguiana".Entretanto, Jung contrasta fortemente dois diferentes tipos ou modelos de totalidade. O primeiro é o que ele chama de "totalidade pré-consciente", a totalidade do universo primevo e amorfo, uma unidade indiferenciada como uma sopa, que existe como um a priori à consciência. Nesta unidade primordial, os pares de opostos estão fundidos, não porque foram unidos em uma totalidade maior, mas porque ainda não foram diferenciados uns de outros. Tudo é "um" porque os"muitos", e os conflitantes pares de opostos que constituem os muitos, ainda não foram trazidos à existência. Esta totalidade é descoberta em mitologias antigas que idealizam um "paraíso" original do qual todos decaímos ou partimos. Também é descoberta em certos tipos de misticismo, em cosmologias altermundanas, e nos sonhos e fantasias de pacientes profundamente regredidos que acham difícil aceitar as tensões e estresses da existência consciente. Existir no tempo e no espaço é estar "rasgado em dois", estar dividido, e experimentar em primeira mão a disputa arquetípica entre as oposições binárias que compõem nossa vida psíquica. Jung identifica esta totalidade original, pré-mundial, com o arquétipo da Grande Mãe, e estes que procuram o incestuoso "retorno à mãe" estão dispostos a idealizar esta condição primeva.Neumann desenvolveu a hipótese de Jung da "grande roda" chamando a este símbolo o Uroboros, ou a serpente que morde o próprio rabo.Em contraste, Jung postulou, e defendeu, um segundo tipo de totalidade na qual os pares de opostos, separados pelo advento de uma consciência polarizada e unilateral, tornam-se novamente juntos em uma unidade relativa. Esta totalidade, ele sentiu, é o objetivo e ponto-final (telos) da realização consciente. Se a primeira totalidade pode ser paralelizada com o Éden ou o Paraíso, a segunda totalidade, recuperada, pode ser comparada com a Nova Jerusalém de Blake. Se a primeira totalidade é infantil, e ligada com o"sentimento oceânico" de Freud, a segunda é um estado mais elevado de consciência, governada não pela Mãe, mas pelo arquétipo do Self. Jung e especialmente Neumann sentiram que era crucial diferenciar entre estes dois tipos de totalidade porque, enquanto a totalidade original pode representar a meta de uma consciência fraca e exausta que desistiu do esforço da vida, a segunda totalidade representa uma consciência que está avançando a alma do mundo (anima mundi) pela recusa em permitir que os pares de opostos se distanciem. O foco de um segundo tipo de totalidade é de que a integridade e identidade dos opostos está mantida e respeitada. Totalidade consciente não é um caos semelhante a uma sopa, mas uma unidade claramente diferenciada na qual todas as diferenças e distinções básicas têm sido honradas, vividas e reconciliadas:"Sem a experiência dos opostos não há experiência de totalidade"(13). Jung viu a mandala oriental, um"círculo mágico" no qual são preservadas a integridade das formas de vida, das estruturas geométricas e das figuras sagradas, como símbolo da totalidade diferenciada que ele tanto admirava.Meu senso é de que, contrariamente à opinião popular, Jung consideraria a totalidade da Nova Era como sendo quase inútil na medida em que advoga a primeira totalidade, a do tipo regressivo. A totalidade da NovaEra é amorfa, indiferenciada e sentimental. Muito casual e desembaraçadamente ela assevera a "unidade"de tudo, e o faz antes que a óbvia desunião e dissemelhança dos opostos tenha sido adequadamente experienciada. A Nova Era advoga um retorno à Mãe do Mundo, e sua ânsia por unidade é a ânsia do infante pela unidade com a mãe. A Nova Era não se vê como herdeira da cultura ou da história do Ocidente, e não está interessada em "completar" esta história, mas meramente em suprimi-la. Sua demanda por quietude imediata, sua ênfase em profundo relaxamento, sua impaciência com o mundo judeu-cristão e o esforço das eras, representa não tanto a culminação da tradição, mas a negação da tradição ocidental. A Nova Era não afirma o passado, mas quer começar tudo de novo, construir um futuro mais brilhante, menos trágico, e está cansada do embate dos opostos que constitui tanto de nossa história.De acordo com Jung, a tarefa da humanidade é tornar consciente, e trazer para a reconciliação simbólica, o esforço e tensão que são inerentes à construção do universo. A importância da "humanidade" para "Deus" é que a humanidade pode expressar, viver, e esperançosamente transformar os elementos conflitantes primevos dos quais o Ente Supremo é como que "inconscientemente" composto. A humanidade traz os elementos querelantes da natureza de Deus, a luz sublime e a misteriosa escuridão, a masculinidade e a feminilidade, o sublime amor e o terreno eros, em um novo tipo de relação. Se abandonarmos esta tarefa porque é muito exigente, se abandonarmos a crucifixão que espelha nosso doloroso sofrimento sobre a cruz de oposições, desistiremos então não apenas de nossa missão humana, mas também da antiga busca do divino por si mesmo.Jung argumentaria que não se pode falar de totalidade até que a escuridão ou "sombra" da natureza humana tenha sido maduramente aceita e integrada. Eis aqui onde a Nova Era trai seu infantilismo e sua fingida"totalidade", porque o lado escuro da natureza humana é quase sistematicamente ignorado. A Nova Era está voando da escuridão e da realidade do mal, vendo a escuridão meramente como a ausência de luz. Em sua ânsia por bem-aventurança e prazer, sua ênfase sobre o escape através da transcendência, a Nova Era perde a substância e a fundação com o real que tornaria possível uma integração da escuridão.Para Jung, a aceitação da escuridão nos envolve em um"próximo passo" maior na tradição ocidental. Onde aNova Era quer destruir a morbidez cristã, Jung quer aprofundar o senso de escuridão para uma nova imagem da própria divindade. "Deus nos enche de mal tal como de bem... e porque ele quer se tornar homem, a unificação de sua antinomia precisa tomar lugar no homem. Isto envolve o homem em uma nova responsabilidade"(14). A era cristã promoveu uma ética de perfeição em sua ênfase sobre a figura paradigmática de Cristo, mas uma era genuinamente nova ou vindoura estará, para Jung, baseada sobre uma ética da totalidade cujo foco não será Jesus, mas o EspíritoSanto. "O Espírito Santo é uma reconciliação de opostos e daí a resposta ao sofrimento no Ente Supremo que Cristo personifica"(15). Uma Nova Era do Espírito, de acordo com Jung, apresentará não a segunda vinda de um Cristo humano, mas "a revelação do Espírito Santo a partir do próprio homem"(16). A Era Vindoura não destruirá o Cristianismo substituindo-o com paganismo (a Nova Era), mas transcenderá o Cristianismo histórico substituindo a imitação de Cristo pela experiência direta e vivente do Espírito Santo. O próprio Cristo insinuou (João 16:7-13) que o Espírito Santo ou Confortador viria depois dele, não apenas para derramar as línguas do Pentecostes sobre seus discípulos, mas para impregnar toda a humanidade com o"espírito da verdade".Para Jung, portanto, uma compreensão correta da totalidade é essencial não apenas para nossa saúde psicológica pessoal, nosso bem-estar moral e ético, e nosso senso humano de sentido da vida, mas é o padrão pelo qual participamos na auto-evolução do divino. A totalidade da pessoa humana no esforço da individuação nos envolve simultaneamente na criação de uma nova ética, uma nova disposição psicológica e cultural, e uma nova fase em nossa história religiosa. É por isto que Jung insiste através de seus escritos que nós mantemos a tensão entre os opostos e nos movemos adiante; não devemos relaxar a tensão de modo que os opostos percam sua definição e retornem ao uroboros primevo. "Sem oposição não há fluxo de energia, não há vitalidade. A falta de oposição leva a vida a uma estagnação aonde quer que tal falta alcance"(17). Jung não era um guru da Nova Era que pregava profundo relaxamento e a dissolução do estresse, mas pelo contrário, ele implorava aos outros para permanecerem conscientes de divisões, fortalecer isso, e manter os opostos em relação dinâmica. Somente então poderá a"função transcendente", que em metapsicologia junguiana seria o Confortador ou Paracleto, vir em nosso auxílio e tornar suportável a carga que estamos carregando.Pelo lado positivo, Jung possivelmente consideraria o interesse da Nova Era por totalidade como uma prefiguração arcaica e incompleta de uma totalidade futura verdadeiramente autêntica. Quando os arquétipos primeiro aparecem na psique coletiva, eles com freqüência apresentam seu lado insípido e menos desenvolvido a princípio, devido a seu longo período de imersão nas profundezas do inconsciente. Embora conceitualmente a indiferenciada unidade do uroboros e a totalidade diferenciada da mandala estejam distantes anos-luz, em um nível psicológico e experiencial a primeira poderia bem ser a precursora da última. Isto também significa que o regressivo "retorno à mãe"poderia também prenunciar ou prefigurar como vamos negociar nosso "retorno ao Self" em um nível muito mais alto.
A "suave entrega" da Nova Era poderia representar tanto nosso desejo de abortar a jornada humana quanto uma tentativa de uma totalidade que transcende as realidades rompidas à força na era moderna.A Nova Era pode abrigar as sementes para o futuro, mas estas sementes são brutas, não-cultivadas, e precisam de muito refinamento. Sentindo estes augúrios e esta profética possibilidade, Jung provavelmente não seria totalmente exonerativo da Nova Era, mas concentraria suas energias em encontrar elementos nela que sejam dignos de crédito e interesse.
Notas1 Duncan S. Ferguson, ed., New Age Spirituality: AnAssessment, Louisville, Kentucky: Westminster/JohnKnox Press, 1993.
2 Paul Heelas, The New Age Movement: The Celebrationof the Self and the Sacralization of Modernity,Oxford: Blackwell, 1996, p. 46.
3 Nevill Drury, The Elements of Human Potential,Dorset: Element Books, 1989, p. 25.
4 (N. do T.): No original em inglês. "cry of theheart".
5 Jung, "Schiller's Ideas on the Type Problem" (1926),CW 6, § 150.
6 Jung, "Wotan" (1936) and "After the Catastrophe"(1945), in CW 10, § 371f.
7 Tony Kelly, "The New Age Movement", in An Expanding Theology, Sydney: E. J. Dwyer, 1993, p. 41.
8 (N. do T.): Frase original: "Follow your bliss".
9 (N. do T.) Talvez se aqui o leitor tomar pessoa (person) no sentido de personalidade mais do que no sentido restrito de sujeito o entendimento fique mais claro.
10 (N. do T.) No original: "who so ever will lose his life for my sake shall find it". Na Bíblia Sagrada em português, edição traduzida da Vulgata Latina pelo padre Antônio Pereira de Figueiredo, publicada pelaEditora Guarabu (RJ) em 1960, lê-se (em Mateus,16:25): "Porque o que quiser salvar a sua alma, perdê-la-á; e o que perder a sua alma por amor de mim, achá-la-á".
11 Shirley MacLaine, Going Within: A Guide for Inner Transformation, London: Bantam, 1990, p. 13.
12 (N. do T.) Aqui também o sentido está em preocupação como ocupação prévia.
13 Jung, CW 12, § 24.
14 Jung, CW 11

Sem comentários: